São Paulo, 10 de fevereiro de 2021

NOTA DE POSICIONAMENTO: VACINAÇÃO CONTRA COVID-19

Estamos vivendo uma das maiores crises sanitárias e socioeconômicas da história: a pandemia do novo coronavírus, que já levou mais de 200 mil brasileiros e brasileiras à óbito e contaminou mais de 9 milhões de habitantes, além de deixar milhares de pessoas desamparadas com o aprofundamento das muitas desigualdades já existentes em nosso país. Retornamos, após um período de relativa “calmaria”, à média abismante de mil mortes diárias no país, enquanto observamos descuidos gigantescos dos gestores de saúde e do governo federal para com a população. Ao mesmo tempo, vemos esforços incansáveis por parte de profissionais e estudantes da saúde, de profissionais da educação, dos serviços essenciais e de organizações da sociedade civil para combater a pandemia e reduzir os danos que ela trouxe à nossa população. Nós, do Centro Acadêmico Manoel de Abreu, enquanto unidade representativa máxima dos estudantes de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, nos solidarizamos com todas as pessoas que perderam entes queridos, com as unidades federativas em situação de calamidade pública e com todos os brasileiros e brasileiras que trabalham pela saúde e bem estar da população, condenando aqueles cujas ações não são embasadas cientificamente e divergem dos esforços efetivos no combate à pandemia.

Ressaltamos também o contexto adverso em que vivemos: temos uma parte do governo federal que promove medidas contrárias às recomendações das referências mundiais em saúde (Organização Mundial da Saúde – OMS –  e Centro de Controle e Prevenção de Doenças – CDC), que fez pronunciamentos contra as vacinas (especialmente a vacina desenvolvida pela parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac Biotech), deixou de comprar um lote de doses oferecido pela fabricante farmacêutica Pfizer, manteve relações diplomáticas desfavoráveis com os países responsáveis pela disponibilização de insumos para fabricação das vacinas (como a Índia e a China), dentre outras medidas irresponsáveis, que, somadas aos processos já existentes de desfinanciamento e desmonte do SUS, desvalorização da ciência e pesquisa e crescimento dos movimentos negacionistas, dificultaram ainda mais o combate à pandemia em nosso país.

Neste contexto de calamidade mundial e caos pandêmico no Brasil, temos uma vitória da ciência, da pesquisa e da saúde pública: a criação de vacinas capazes de imunizar pessoas contra a COVID-19. Reconhecemos que o desenvolvimento de tais vacinas foi possível apenas com décadas de trabalhos científicos acumulados e uma construção coletiva de conhecimento, que permitiram uma rapidez inimaginável na criação e aprovação de imunizantes eficazes contra o novo coronavírus, e enfatizamos, assim, a importância do financiamento, estímulo e valorização da pesquisa no Brasil, que tem sofrido com cortes no financiamento e outros processos de precarização pelos governos estaduais e federais nas últimas décadas.

Entendemos que, por conta do nível global da epidemia e do interesse gigantesco de diversos países em ter sua população imunizada, aliado com um número limitado de doses e de insumos para a sua produção, nos encontramos em um momento no qual não podemos (ainda) vacinar a totalidade da população brasileira. Assim, reforçamos o que foi comunicado no Plano Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde: “em um momento inicial, onde não existe ampla disponibilidade da vacina no mercado mundial, o objetivo principal da vacinação passa a ser focado na redução da morbimortalidade causada pela Covid-19, bem como a manutenção do funcionamento da força de trabalho dos serviços de saúde e a manutenção do funcionamento dos serviços essenciais”.

Dentro desse contexto entendemos que a “manutenção do funcionamento da força de trabalho dos serviços de saúde” será alcançada pela vacinação de todos aqueles que trabalham nestes serviços, sejam eles profissionais da saúde, estudantes da saúde ou outros grupos que “estão no fronte de enfrentamento à pandemia e que muitas vezes não têm o devido reconhecimento, bem como possuem vínculos empregatícios precarizados, que, apesar da fundamental importância no atual contexto, não recebem o mesmo prestígio e valorização” (conforme ofício emitido pela Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina).

Acreditamos, portanto, que todos os estudantes da área de saúde devem ser incluídos nesse grupo de trabalhadores de saúde, tanto por estarmos em acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 e o Informe Técnico nele anexado (que colocam que “a vacina também será ofertada para acadêmicos em saúde e estudantes da área técnica em saúde em estágio hospitalar, atenção básica, clínica e laboratorial”), como por entendermos que as atividades práticas e o contato com os pacientes são parte crucial da formação médica, de modo que mesmo os alunos que estão afastados de suas atividades práticas por ora, deveriam ter a oportunidade de retomá-las, após a vacinação; além de que esses estudantes podem atuar em conjunto com outros profissionais para um melhor funcionamento dos sistemas de saúde.

Ressaltamos, entretanto, que essa vacinação dos estudantes de medicina deve ocorrer dentro da priorização preconizada pelos órgãos públicos (Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo – entendendo que esses órgãos devem estar alinhados entre si e com as organizações mundiais e emitir informações com clareza para a população). Na qual os trabalhadores da linha de frente e as populações mais expostas e vulneráveis ao vírus devem ser vacinados primariamente; o que, para nós, deve incluir tanto os profissionais de saúde envolvidos diretamente na assistência aos pacientes com Covid-19, quanto os trabalhadores não classificados como profissionais da saúde, mas que fazem parte fundamental dessa linha de frente do combate à pandemia (as equipes de limpeza dos serviços de saúde, recepcionistas de serviços de saúde que têm contato com pacientes contaminados, técnicos e funcionários do sistema funerário, dentre outros). É necessário seguir essa priorização a fim de garantir que sejam alcançados os objetivos propostos pelo Plano Nacional, visto que a vacinação dos trabalhadores da saúde

garante a manutenção da força de trabalho; e a vacinação dos grupos prioritários tanto reduz a morbimortalidade, quanto pode proporcionar a preservação do funcionamento adequado dos sistemas de saúde e dos serviços essenciais, já que, com o maior número de pessoas vacinadas, (sobretudo aquelas com comorbidades, que estão mais sujeitos a internação e compõem esses grupos prioritários), evita-se a sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS) e seu colapso.

Assim, condenamos as situações em que houve vacinação de pessoas não incluídas nesses grupos prioritários antes deles serem totalmente contemplados pela vacinação no Município de São Paulo, tenha esta priorização imprópria sido feita por troca de favores, uso inadequado do poder ou por negociações de cunho imagético e auto-promocional.

Também enfatizamos a importância da vacinação da população como um todo ser feita única e exclusivamente dentro do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de garantir o princípio de equidade em saúde (que é fundante e elemento central do SUS), de promover a vacinação enquanto um pacto coletivo (e não enquanto estratégia individual de prevenção), de evitar a priorização do lucro sobre os interesses coletivos e de não aprofundar as desigualdades já marcantes que permeiam o processo de adoecimento da população, resultando em índices maiores de mortalidade em comunidades com menores níveis de indicadores socioeconômicos. Ou seja, somos contrários à venda de doses de vacinas para o sistema privado de saúde e reafirmamos nosso compromisso enquanto estudantes de medicina em defender o SUS e a saúde pública no Brasil.

Por fim, destacamos que ainda não há comprovação científica da existência de medidas profiláticas ou curativas eficazes contra o novo coronavírus, sendo crucial o investimento na produção e aquisição de vacinas para toda a população enquanto única medida efetiva de combate à pandemia. Também lembramos que, até que a imunidade coletiva seja alcançada (por meio da vacinação de mais de 70% da população), é essencial a manutenção de estratégias comportamentais de prevenção e redução do contágio, tais como: uso de álcool 70% para higiene das mãos, lavagem constante das mãos, uso de máscaras e distanciamento social; inclusive dentre aqueles já vacinados, visto que ainda não temos informações suficientes sobre transmissibilidade para abolir a necessidade desses comportamentos.

O Centro Acadêmico Manoel de Abreu reitera nossa preocupação com a vacinação dos grupos dentro de nossa instituição de acordo com sua inserção e atuação na rede de saúde, priorizando, num primeiro momento, aqueles mais expostos à Covid-19. Assim como reiteramos nosso posicionamento de defesa ao SUS, a um plano público nacional efetivo de vacinação para toda a população, que coloque o cuidado à vida acima da preocupação com o lucro, reforçando nosso apoio e concordância com a nota emitida pela Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina em janeiro deste ano (publicada com o título “PRECISAMOS FALAR SOBRE A VACINAÇÃO NO BRASIL: ANÁLISES E PERSPECTIVAS”).

 

Centro Acadêmico Manoel de Abreu

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